segunda-feira, 2 de junho de 2008

Anseio


Abri os olhos. Estava cansado de ficar no escuro sendo que o dia já estava há muito que alto. Já escutei uns pares de vezes os sinos da Igreja da Consolação, mas não tinha coragem, não tinha força. Tinha só ferida nos pés, pés sujos. Abrir os olhos pra que? Pra ver as pessoas me olhando com nojo e medo? Não, não quis ser assim. Queria ser feito gente de bem ou queria ter nascido árvore. Acho que sou quase uma árvore, que fica tomando sol e vive só de sol e de terra. Eu também vivo quase que de sol e de terra. Também não sinto mais frio, não sinto mais fome, não sinto mais dó de mim, nem dos outros. Eu também tenho casca. Mas ainda assim queria ser árvore. Porque árvore está ali, no tempo feito eu e ainda assim não tem ferida. E todo mundo gosta, parece que ela esta de braços abertos, ao alto, pra Deus. Agradecendo a Deus. Eu não agradeço a Deus. Se sou tão feito árvore, se meus cascos são tão duro quanto os cascos das árvores porque não me fez logo de uma vez verde? Não, me fez cinza. Me fez gente pra quem é gente por inteiro me achar estranho. Mas ainda tenho minha metade gente e, um dia,ah! um dia eu morro. Vão-me por em vala comum, em cova rasa, nem nome não vão por. Mas é bom que não tenha nome. Porque árvore não tem nome e é dali mesmo que eu vou querer crescer. Mas não quero ser mais gente não, que ser gente é muito triste. Quero de vez nascer, nascer enquanto árvore.

Um comentário:

Unknown disse...

Texto fantástico.